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Sobre o Tempo e a Invenção da História

”O tempo é um rio, o inexorável fluir de todas as criaturas. Uma coisa mal aparece à vista e logo desaparece rapidamente e outra nasce para logo, por sua vez, ser varrida para longe.” – Meditações, Marco Aurélio, Livro IV, 43.

Uma Dança para a Música do Tempo, Nicolas Poussin.

Uma Dança para a Música do Tempo, Nicolas Poussin, óleo sobre tela, 1634-1635.

  • Introdução

O que sabemos sobre a história de Westeros e Essos? Ou melhor: o que acreditamos saber sobre a história do mundo conhecido de ”Gelo e Fogo”? A resposta varia de pessoa para pessoa, para cada um dos leitores dos livros da saga, porém será que o que sabemos dessa história ou acreditamos saber é credível, é confiável? Ou melhor: podemos dar credibilidade e confiança as fontes para o conhecimento dessa história? Se sim, quão confiáveis são essas fontes para o conhecimento da história? Se não, porque será que elas não são? E o tempo? Como fica estabelecida a questão do tempo na saga fantástica de George R.R. Martin? Essas indagações que julgo pertinentes são questões que abordarei a seguir.

  • Breve história do tempo cíclico 

”O arquimeistre Rigney escreveu um dia que a história é uma roda, pois a natureza do homem é fundamentalmente imutável. O que aconteceu antes irá forçosamente voltar a acontecer, ele disse”. – Rodrik Harlaw à Asha Greyjoy, O Festim dos Corvos,  Asha I, Capítulo 11.

Aparentemente Martin segue um padrão de história cíclica, com  a reedição de eventos, fatos e personagens históricos, a repetição de padrões, de ciclos, como conquistas, invasões, a revivificação da magia e etc, e quanto mais observamos e analisamos a história de seu universo fantástico podemos ver mais provas aparentes da ocorrência desses padrões, desses ciclos, que como a lua nos dois mundos, sempre se repete, sempre retorna aos mesmos estados, sempre reedita seus mesmos padrões.

No, entanto, se formos pensar  na história cíclica em nosso mundo, também poderemos ver provas aparentes da ocorrência de determinados padrões ou ciclos, e até mesmo filósofos e pensadores que acreditavam na existência e na predominância desses ciclos ou padrões na história e na existência humana.

Encontramos crenças e filosofias que tinham em seu pensamento e entre seus adeptos o tempo cíclico como doutrina ou parte de seus conceitos desde a Índia antiga e passando pela chamada Axial Age e a Antiguidade Clássica até o calendário de uma sofisticada e antiga civilização da Mesoamérica.

Os antigos indianos já desenvolviam teorias e doutrinas a respeito da repetição de padrões na história ou na existência humana desde o início da Idade do Ferro  (cerca de 1200 a.C.), porém foi a partir do século VI a.C. que elas ganharam impulso, com o florescimento de religiões ascendentes como o budismo e o jainismo e a reforma no predominante hinduísmo.

Essas ideias se popularizaram e chegaram até mesmo a Ásia Menor e a Magna Grécia, com filósofos como Pítagoras e até mesmo Platão – respectivamente, com suas teorias sobre a transmigração das almas e a reminiscência ou anamnese – possivelmente recebendo influências delas.

Aliás, nesse mesmo período – entre os séculos VI e V a.C -, chamado de Axial Age pelo filósofo alemão Karl Jaspers, ocorreu o surgimento ou reforma em simultaneidade de várias religiões em outras partes do mundo – com Zoroastro na Pérsia,  Siddhartha Gautama e Mahavira na Índia, Confúcio e Lao Zi na China e Esdras e Neemias na Judeia -, fatos que coincidiram com o alvorecer da Filosofia no mundo grego – principalmente na Magna Grécia e na Ásia Menor -, com os pré-socráticos e sofistas.

Mas é talvez no período helenístico que encontramos o maior exemplo do conceito de tempo cíclico no Ocidente, e esse exemplo encontra seu maior expoente no desconhecido autor dessas palavras:

”…Uma geração vai, e outra vem, mas a terra permanece para sempre. Nasce o sol e põe-se o sol, e volta ao lugar de onde nasceu. O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte, continuamente vai girando o vento, e volta fazendo os seus circuitos. Todos os ribeiros vão para o mar, contudo o mar não se enche. Ao lugar para onde os ribeiros correm,  para ali tornam a ir. Todas as coisas são canseiras, mais do que ninguém o pode declarar. Os olhos não se fartam de ver e os ouvidos de ouvir . O que foi, isso é o que há de ser, e o que se fez, isso se tornará a fazer; não há nada novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que se pode dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos passados que foram antes de nós. Não há lembrança das coisas que precederam, e das coisas que hão de ser também não haverá lembrança entre os que hão de vir depois delas”.  – Eclesiastes, Capítulo 1, versículos 4-11, Bíblia.

A passagem bíblica acima seria estranha de se analisar se tivesse sido redigida por Salomão, como reza a tradição, mas provavelmente foi escrita por um rabino ou escriba judeu do período helenístico, quando a cultura helenística influenciava a maior parte do mundo conhecido, inclusive a Palestina. O conceito sobre o tempo predominante no Ocidente – tanto entre os judeus quanto entre os cristãos – é linear, o conceito da história em linha reta, o que talvez possa parecer contradizer a passagem bíblica, porém, analisando o contexto em que o Livro de Eclesiastes foi escrito, é provável que correntes de pensamento gregas tenham influenciado o seu autor, como o platonismo, o epicurismo e o estoicismo.

Quatro ou cinco séculos após Eclesiastes ter sido escrito, o imperador romano e filósofo estóico Marco Aurélio redigiu palavras muito semelhantes ao do desconhecido autor do livro bíblico:

”…E, tal como em relação a todos os outros tipos de ocorrências, lembra-te de pronto que isto também já tu testemunhaste muitas vezes. Porque em toda a parte, em cima e em baixo, tu não vais encontrar nada senão sempre as mesmas coisas; elas enchem as páginas de toda a história, antiga, moderna e contemporânea; e enchem as nossas cidades e os nossos lares hoje. A novidade é coisa que não existe; tudo é tão trivial quanto transitório. – Meditações, Livro VIII, 1.

Os Maias, avançada civilização da América Central que viveu seu zênite entre os séculos III e X de nossa era, possuíam um complexo calendário ligado à sua religião que seguia um padrão de tempo cíclico, com a repetição de vários ciclos de vida morte e renascimento, criação, destruição e recriação.

  • O Tempo em ASOIAF: a Coexistência entre o Tempo Eterno, o Tempo Linear e o Tempo Cíclico

Nos cinco livros da série ”As Crônicas de Gelo e Fogo” até agora publicados são nos apresentado personagens – sejam aqueles que aparecem ou que são apenas relembrados ou citados -, fatos e acontecimentos históricos de Westeros e de Essos que aparentemente nos fazem crer que o seu autor segue um padrão de tempo cíclico.

O seguimento da história cíclica não é uma exclusividade das obras de alta fantasia de Martin, Robert Jordan também o fez na sua aclamada série ”The Well of Time”, entretanto o que Martin promove em seus livros e na história do universo deles é algo distinto, totalmente diferente.

Podemos encontrar evidências ao longo dos cinco livros de que três padrões de tempo coexistem na trama e na história do universo fantástico de George R.R. Martin: o Tempo Cíclico, o Tempo Eterno e o Tempo Linear.

O historiador e antropólogo francês Jean-Pierre Vernant, especialista em Grécia Antiga, reflete sobre o que são esses três padrões de tempo quando discorre sobre o mito de Prometeu em sua obra ”O Universo, os Deuses e os Homens”:

”Há o tempo dos deuses, a eternidade em que nada acontece, tudo já está lá, nada desaparece. Há o tempo dos homens, que é linear, sempre no mesmo sentido, pois o homem nasce, cresce, é adulto, envelhece e morre. Todos os seres vivos se submetem a isso. Como diz Platão, é um tempo que anda em linha reta. Há, por fim, um terceiro tempo, apresentado pelo episódio do fígado de Prometeu. É um tempo circular ou em ziguezague. Indica uma existência semelhante à da lua, por exemplo, que cresce, morre e renasce, indefinidamente. Esse tempo prometéico lembra o movimento dos astros, isto é, esses movimentos circulares que se inscrevem no tempo, que por seu intermédio permitem medir o tempo. Não é a eternidade dos deuses, não é tampouco o tempo terrestre, o tempo mortal, que segue sempre na mesma direção.” – O Universo, os Deuses, os Homens, Capítulo 2, Jean Pierre-Vernant.

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Prometeu Acorrentado, por Thomas Cole (1801-1848).

Martin coloca o tempo cíclico na esfera da história  humana, o tempo eterno permanece na dos ”deuses” e o linear fica na existência humana – conforme reflete Vernant – e na historiografia, na escrita da história do mundo de ”Gelo e Fogo”, como explicarei mais a frente.

A vigência do tempo cíclico ou da história cíclica no mundo de ”Gelo e Fogo” pode ser atestada através de fatos, acontecimentos e personagens históricos reeditados, quase que repetidos, bastante similares se formos compara-los entre si. Um exemplo é a canção da rosa de Inverno ou de Bael, o Bardo e a rosa de Winterfell – que Ygritte conta a Jon Snow em ”A Fúria dos Reis” – em paralelo ao rapto de Lyanna Stark por Rhaegar Targaryen -, fato que desencadeou uma cadeia de eventos que culminaram na posterior Rebelião de Robert. Vamos as semelhanças nessa analogia que podem apontar para a vigência do tempo cíclico na história.

Rhaegar kidnap Lyanna.

  • Ambos, Bael, o Bardo e Rheagar, eram famosos e talentosos músicos.
  • Os dois sequestram donzelas e filhas únicas da Casa Stark.
  • Ambos tem como símbolos dos raptos a rosa azul-clara, chamada de rosa azul de inverno.
  • As consequências de seus atos resultaram em guerras que opuseram pessoas relacionadas aos raptos e em suas mortes por parentes, Bael pelo seu próprio filho com a donzela Stark e Rheagar por seu primo Robert, noivo de Lyanna.

”… – Alguma vez já viu as armas da Casa Toland, de Monte Espírito? Ayrs teve de pensar por um momento.  – Um dragão comendo a própria cauda? – O dragão é o tempo. Não tem princípio nem fim, portanto todas as coisas ressurgem.” – Arriane Martell à Arys Oakheart, O Festim dos Corvos, Arys I, Capítulo 13.

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Outros acontecimentos históricos que atestam a ocorrência de um padrão de tempo cíclico na história de ASOIAF são as razões palacianas por trás da Primeira Rebelião Blackfyre e da Guerra dos Cinco Reis, mas isso será abordado a frente.

Então temos o tempo cíclico operando na história humana nas ”Crônicas” devido a – como bem disse Rodrik Harlaw – imutabilidade da natureza humana, que faz com que os homens sempre repitam ou reeditem atos, acontecimentos e decisões.

O tempo eterno, o da perenidade, onde tudo é estável, tudo permanece, é exposto com mais clareza em ”A Dança dos Dragões”, quando Bran Stark finalmente toma contato direto com o chamado Corvo de Três Olhos, este apresenta a Bran um mundo antes desconhecido para nós, o mundo dos Filhos da Floresta, ou melhor, daqueles que cantam a canção da terracomo bem explica Jojen Redd:

”…Um leitor vive mil vidas antes de morrer. O homem que nunca lê vive apenas uma. Os cantores das florestas não tinham livros. Nem tinta, nem pergaminhos, nem linguagem escrita. Em vez disso, tinham as árvores, e os represeiros acima de tudo. Quando morriam, entravam na floresta, em uma folha, um galho ou uma raiz , e as árvores se lembravam. Todas as suas canções e feitiços,  suas histórias e orações, tudo o que sabiam. Os meistres lhe dirão que os represeiros são sagrados para os antigos deuses. Os cantores acreditam que os represeiros são os antigos deuses. Quando os cantores morrem, tornam-se parte desta divindade.” – A Dança dos Dragões, Bran III, Capítulo 34.

Nesse mesmo capítulo do quinto livro, e nesse mesmo mundo que antes desconhecíamos, observamos a operância de um tempo muito distinto ao cíclico dos homens e ao linear da existência humana e da escrita da história, um mundo onde o tempo eterno, o tempo perene, predomina:

”O tempo de uma árvore é diferente do tempo do homem. Sol, solo e água, essas são as coisas que um represeiro entende, não dias, anos e séculos. Para o homem, o tempo é um rio. Está preso em seu fluxo, seguindo do passado para o presente, sempre na mesma direção. As vidas das árvores são diferentes. Elas enraízam, crescem e morrem em um único lugar, e então aquele rio não se move. O carvalho é a bolota, e a bolota é o carvalho. E o represeiro…. mil anos humanos são um momento para um represeiro e, através de tais portões, você e eu podemos olhar o passado.” – Lorde Brynden à Bran Stark.

Esse tempo perene, em que nada passa e tudo permanece, em que não há distinção entre passado, presente e futuro, está intimamente ligado aos territórios do Norte e de Para lá da Muralha em Westeros, pois foram essas as únicas regiões do continente que os Ândalos não conseguiram invadir e conquistar, em que os costumes, a cultura e a religião compartilhadas – após o Pacto da da Ilha das Faces – por aqueles que cantam a canção da terra e os Primeiros Homens perduraram ao longo de séculos e milênios. A famosa asserção nortenha ”O Norte se lembra” ou ”O Norte tem memória”, tem um significado mais profundo do que aparenta, ela exprime o importante fato de que o Norte é a única região de Westeros em que o tempo perene, o tempo eterno, o tempo dos Filhos da Floresta, subsiste, dessa forma o Norte é a região em que a memória histórica é mais duradoura, onde as lembranças dos tempos pré-Invasão Ândala, da Era dos Heróis e mesmo da Era da Alvorada, persistem.

O terceiro e último padrão de tempo presente na saga é o linear, que opera com mais intensidade na existência humana comum, em que o homem está completamente inconsciente dos demais padrões de tempo o cercam o mundo em que vivem,  ficando alheios a eles,  e na historiografia, na escrita da história de Westeros e de Essos.

Essa escrita da história, é, na maioria das vezes, não confiável, pois a perspectiva pela qual a história é escrita muda de acordo com o passar do tempo, mudando-se a perspectiva, muda-se também a própria História, que constantemente passa por um processo de reescrita, conforme mudam-se as mãos que escrevem e as vozes que divulgam a História, os poderes dominantes: em Westeros, em tempos remotos, eram os Filhos da Floresta que predominavam, posteriormente os Primeiros Homens, depois vieram os Ândalos no Sul e os Roinares em Dorne, subsequentemente os Targaryen conquistaram seis dos Sete Reinos e reinaram por pouco menos de três séculos… assim a linha da escrita da História segue reta e indefinidamente, e com essas alterações na perspectiva, nas mãos que escrevem e nas vozes que divulgam a história, alteram-se também os fatos, que vão sendo modificados ou mesmo deturpados para favorecer aqueles que escrevem e divulgam essa história, seguindo a linha do que George Orwell assevera em sua magnum opus: quem controla o passado, controla o futuro, quem controla o presente, controla o passado.

  • A Invenção da História: sobre a alteração, a deturpação e a mitificação dos fatos.

”As histórias mais antigas que temos foram escritas depois dos ândalos chegarem a Westeros. Os Primeiros Homens só nos deixaram runas em pedras, de modo que tudo o que julgamos saber sobre a Era dos Heróis, a Era da Alvorada e a Era da Longa Noite vem de relatos escritos por septões milhares de anos mais tarde. Há arquimeistres na Cidadela que questionam tudo isso. Essas velhas histórias estão cheias de reis que governaram por centenas de anos, e cavaleiros que andavam por aí mil anos antes de serem cavaleiros.” – O Festim dos Corvos, Sam  à Jon Snow, Samwell I, Capítulo 5. Andals

Como podemos observar nesse excerto, há lacunas na história de Westeros, e por extensão, na de Essos também. Por exemplo: no quinto livro, quando Tyrion conhece Haldon Meiomeistre, este questiona o primeiro sobre como Serwyn do Escudo Espelhado matou o dragão Urrax. No primeiro livro Serwyn é citado em um POV de Bran como um famoso e lendário membro da Guarda Real, mas as histórias que se contam sobre Serwyn parecem e realmente são de um período anterior a Guarda Real – que foi instituída por Aegon I durante seu reinado – e a própria instituição da cavalaria, estabelecida pelos ândalos em Westeros, Serwyn é de um período nebuloso e cujas fontes não são credíveis, a Era dos Heróis, o que faz com que questionemos toda a veracidade de sua história e a sua própria existência.

”… Só que ninguém sabe quando os ândalos cruzaram o mar estreito. A História Verdadeira diz que quatro mil anos se passaram desde este fato, mas alguns meistres afirmam que foram apenas dois mil. Depois de certo ponto, todas as datas ficam obscuras e confusas, e a claridade da história se transforma na névoa da lenda.” –  A Dança dos Dragões, Hoster Blackwood à Jaime Lannister, Jaime I, Capítulo 57.   AndalsConquerFirstMen

Voltemos a pergunta que fiz no começo do texto: o que sabemos dessa História, ou acreditamos saber, é confiável? Martin gosta de apresentar o mesmo fato ou tema sob olhares diferentes, para assim confundir o leitor e faze-lo duvidar e questionar a história. Será que o que pensamos saber sobre o Último Herói ou Azor Ahai é verídico? E a Longa Noite, é mesmo parte da História de Westeros ou apenas lenda, mito? E o reinado da dinastia Targaryen, foi benéfico para os Sete Reinos ou a maioria dos leitores e fãs o idealizam? Como realmente começou o conflito civil conhecido como Dança dos Dragões? Por que Aegon III é conhecido como ”A Desgraça dos Dragões” sendo que foram os meistres que conspiraram para extinguir esses seres mágicos? Porque as Rebeliões Blackfyre não são um assunto tão abordado?

Questões que nos faz duvidar da história oficial, nos levando a questionar as perspectivas pelas quais a história de Westeros foi escrita e difundida,  que nos atenta para o fato de que é a história foi e ainda é constantemente alterada e deturpada pelas várias e contínuas perspectivas que a escrevem e divulgam ao longo do tempo, tanto para favorecer os contínuos poderes em voga – como os Ândalos e a dinastia Targaryen – quanto para ocultar fatos incômodos para esses poderes sucessivos.

 Excelentes casos  para exemplificar esse processo de alteração e deturpação da história são as razões palacianas por trás da Primeira Rebelião Blackfyre e da Guerra dos Cinco Reis. Se analisarmos bem as histórias de Robert Baratheon e Aegon IV, o Indigno, chegaremos a conclusão de que há muitas semelhanças entre eles, o que entra na teoria da história cíclica:

  • Ambos iniciaram seus reinados jovens e bonitos, e terminaram ineptos, gordos e corruptos.
  • Ambos os governantes eram notórios mulherengos e tiveram várias amantes e bastardos.
  • Os dois tinham casamentos nos quais os cônjuges compartilhavam um ódio mútuo.
  • Suas esposas e rainhas foram acusadas ​​de praticar incesto com seus irmãos mais novos, ambos membros da Guarda Real, Naerys com Aemon, o Cavaleiro do Dragão, e Cersei com Jaime.
  • Ambos morreram deixando como legado uma enorme crise de sucessão: Aegon IV presentou seu filho com Daena Targaryen, ex-esposa de Baelor I, Daemon, com a espada ancestral Targaryen chamada Blackfyre, e legitimou seus bastardos em seu leito de morte; Robert nomeou Joffrey seu herdeiro em seu testamento também em seu leito de morte, mas Eddard alterou as palavras para “meu herdeiro”.
  • Ambos tiveram filhos acusados ​​de serem bastardos, Daeron II e Joffrey, ascendendo ao trono por meio de golpes em guerras de sucessão (Rebelião Blackfyre, Guerra dos Cinco Reis).

Aegon IV by Amok's.

Tanto o relacionamento de Naeyrs com Aemon quanto o de Cersei com Jaime originaram golpes disfarçados de sucessão legítima que subsequentemente redundaram em guerras civis.  A subida de Daeron II ao trono e a posterior derrota em batalha da pretensão legítima de Daemon – Targaryen tanto pela linha paterna quanto materna e verdadeiro herdeiro de Aegon IV – , fizeram essa história ser quase que esquecida, ocultada, por isso o tema das Rebeliões Blackfyre não é tão abordado, pois nos faz questionar quem são os verdadeiros herdeiros do trono, que contrapõe Blackfyres e Targaryens, que nos faz pensar em todos os Targaryen posteriores a Daeron II como a perpetuação de um golpe e de uma ”invenção da história” em que tornaram Daemon e seus descendentes traidores sem direito ao trono.

Essa versão da história faz com os Blackfyre sejam os verdadeiros herdeiros do Trono – Daemon foi legitimado – e não a linhagem Targaryen advinda da união ilegítima entre Aemon e Naerys. A derrota de Daemon e de seus partidários na Batalha de Redgrass Field , no ano 194 após a Conquista, fez a história verdadeira ser suprimida, a semelhança do que ocorreu na Inglaterra após a vitória de Henrique Tudor, outro descendente de bastardos – como vimos no post anterior, sobre a Guerra das Rosas -, frente a Ricardo III, o último rei da dinastia Plantageneta, na Batalha de Boswort Field em 1485.

Daemon Blackfyre by Amok's

Essa vitória de Henrique VII deu origem ao chamado Mito Tudor, em que humanistas, eruditos, historiadores e poetas, como Polydore Vergil, Thomas More e principalmente William Shakespeare, patrocinados por essa dinastia, apresentavam uma versão história – que se tornou a versão oficial – em que a Inglaterra pré-Tudor era um país anárquico e violento, e a Inglaterra dos Tudor  um reino com lei, ordem e prosperidade.

O Mito Tudor promoveu uma outra ”invenção da história” em que o controvertido Ricardo III teve sua biografia completamente alterada e distorcida, sua imagem foi deturpada visando favorecer a dinastia reinante, onde ele foi retratado como um homem  abjeto, tenebroso, desprezível, movido apenas pelo desejo de poder, o que nos leva a seguinte questão: Stannis, um pretendente a rei igualmente controverso,  também terá sua biografia e imagem deturpada e alterada após sua morte, ou ele já é difamado e tem sua história deturpada em canções mesmo vivo? Um tema instigante e polêmico para um post futuro, com foco em ambas as figuras históricas.

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